Adotando uma mentalidade Peregrina

O que você faria se tivesse cinco meses para se preparar para uma jornada de superação e autoconhecimento? Com duração de no máximo 60 dias, cerca de 900 km de percurso, a serem percorridos a pé ao longo do Caminho de Santiago, no norte da Espanha. Esta seria uma viagem sem volta e de muito aprendizado. Afinal, nunca voltamos iguais ao que éramos no início da viagem. Detalhe: a mochila só deveria ter o essencial, pois seria carregada por um(a) peregrina(o)…

Este cenário hipotético tornou-se real em minha vida em março de 2013, tão logo meu bilhete aéreo foi comprado. Depois de concluída a compra, eu já me perguntava: E agora, o que fazer? Por onde começar?

A resposta óbvia veio em seguida: PELO PRIMEIRO PASSO! Comprei minhas botas e logo percebi que teria que aprender a andar, mas como PEREGRINA. Eu precisava ser coerente em minha forma de pensar e agir, entrando nessa nova “personagem”. Assim, comecei a desenvolver uma mentalidade peregrina intuitivamente. 

Eu estava prestes a embarcar numa jornada que jamais havia vivido antes. As circunstâncias e a forma do caminhar eram mais específicas, conscientes e muito menos “automáticas”. Me preparar passou a ser uma urgência, mesmo sabendo que as surpresas fazem parte do caminho da vida. A certeza de que “o caminho só se faz caminhando” logo me jogou para a frente: adotei uma rotina criativa e prática.

Li muito, ouvi palestras e depoimentos, conheci peregrinos mais experientes e assim pude ter uma ideia do que me esperava ao longo de minha jornada. Tive clareza sobre o que eu queria nesta empreitada (identificando também o que eu não queria). 

Sentir e praticar a liberdade era fundamental. Meu propósito nesta meditação em movimento eram autoconhecimento e desconstrução.

Minha atitude e pensamento positivo passaram a ser o meu principal combustível, gerando firmeza e coragem para me manter em movimento rumo a Santiago, mesmo estando ainda no conforto da minha casa. Minha preparação física acontecia em paralelo e intensamente.

Esse movimento interno acabou sendo uma espécie de preparação emocional. O que permitiu o ampliar de meu campo de visão diante dos desafios enfrentados por outros peregrinos. Eu me imaginava diante das adversidades, buscando novas saídas e soluções possíveis a serem adotadas. Este ensaio mental passou a ser uma espécie de academia, que gerava mais segurança e muito entendimento sobre as situações reais do caminho. Aceitar que as SURPRESAS fazem parte do caminho foi um passo muito importante: hoje me arrisco a dizer que muitos momentos mágicos ocorreram a partir dos imprevistos e surpresas.

No dia 01 de agosto, na pequena cidade de Saint Jean Pied du Port, dei minha primeira passada como peregrina de verdade!

A travessia dos Pireneus serviu para confirmar meus objetivos diante desta jornada. Uma coisa era certa: eu não queria me prender aos números (dias, quilômetros ou distâncias). Meu caminho já tinha uma direção previsível, com setas amarelas até Santiago. Porém, todo o resto passava a ser um mistério. Aceitar a imprevisibilidade do porvir é fundamental para quem faz o caminho. Estar aberta a novas experiências e não ter o que prever torna o foco no AGORA bem mais simples e real.

Diante de um mar de novidades, não se “pré-ocupar” com o que vem pela frente torna- se um enorme fator de motivação, especialmente nos momentos de maior cansaço, desconforto, estresse físico ou emocional.

Sim, os momentos de sombra ou de baixa energia fazem parte do caminho, mas é mais prático lidar com eles por demanda, pois o contexto só pode ser sentido ou vivido ali, na hora, e jamais previsto!

Com isso foquei na intenção de encontrar o meu ritmo. Sem pressa fui me aclimatando, percebi os sinais de meu corpo, segui minha intuição, senti a natureza e interagi com os locais e peregrinos quando meu coração sinalizava.

O clima de solidariedade mantida entre os peregrinos e a partilha dos alimentos, sobretudo, nos remete a uma irmandade singular. A acolhida aos peregrinos e entre nós era algo incrível. Hoje, se pensarmos na vida moderna e urbana, esta fraternidade é rara, beirando a utopia.

Algo me jogava para a frente com uma enorme força e tranquilidade. À medida que eu ia avançando, simplesmente me habituei à incerteza diária que se apresentaria em meu caminho entre a partida de um albergue pela manhã e a chegada a um novo porto seguro à tarde.

Ter diariamente um novo cenário para interagir, uma nova cidade para aportar, novas pessoas para conhecer e compartilhar o espaço tornava a experiência mais recente cada dia mais intensa. Eu sentia a cada dia como se uma nova camada de tinta cobrisse a história da minha vida. Assim, uma “versão” mais recente de mim mesma se apresentava a um novo peregrino que chegava e que partia rapidamente. Era curioso me ouvir. Eu estava feliz com tanto dinamismo e a intensa oportunidade de autoconhecimento, crescimento e aprendizado.

Cheguei a Santiago no dia 18 de setembro. Porém segui até Finisterra, pois sentia que algo ainda tinha que ser finalizado. A chegada ao mar foi a coroação desta maravilhosa jornada! Cheguei ao marco ZERO, com a certeza de que posso iniciar novos caminhos tranquilamente, pois tudo é possível se nos determinamos a agir.

Compartilhe este Post:

Deixar Comentário

Seu e-mail não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Jana Carvalho

Peregrina do Caminho de Santiago de Compostela e observadora de aves , cultiva a atenção ao detalhe e a paixão pela natureza. É turismóloga de formação e aventureira de coração!

Inscreva-se na nossa lista e baixe o livro digital

Ao se inscrever, você terá acesso ao ebook e ainda receberá nossas novidades, dicas e conteúdos exclusivos sobre viagem de transformação, autoconhecimento e coaching.

Últimos Posts